#5 | Protestos contra o Novo Ensino Médio, mais IAs e educação midiática
Uma curadoria de pautas importantes para a cena educacional brasileira e adjacências
Alô, pensante! Dawton aqui.
Antes da abertura deste número, uma novidade! Lancei uma comunidade não algorítmica quase como um protesto à influência que os algoritmos de redes sociais têm sobre nossas decisões de produção e consumo de conteúdos. Este grupo gratuito é um espaço digital colaborativo, no aplicativo Telegram, em que podemos compartilhar ideias, links, textos e materiais, sem a preocupação com views, retenção e afins. Para compensar sua presença na comunidade, oferecerei conteúdos exclusivos para quem estiver nela, incluindo um segundo horário de lives semanais, além das lives de domingo, às 19h, no Instagram. Esse segundo horário terá foco formativo e ficará disponível, a princípio, para quem assina esta newsletter ou participa da comunidade. Para entrar, basta clicar no botão abaixo:
Esta edição da palavra puxa palavra me fez pensar sobre a possibilidade de oficializar que ela é quinzenal, de modo que os números ímpares poderiam ser enviados nos começos de cada mês, com uma curadoria do que aconteceu de mais importante no mês anterior, e os números pares sairiam no meio dos meses, com as crônicas. O que acha?
Neste número, nosso feed tá tenso, com o atentado a uma escola estadual de São Paulo, os protestos pela revogação do Novo Ensino Médio e a viralização de imagens geradas por IAs. Na nossa seção de aprofundamento, eu trouxe Conceição Evaristo e materiais gratuitos de educação midiática. Eu passo a palavra para você com uma sugestão de debate sobre a separação entre artistas e suas obras de arte.
Lembre-se de que a palavra puxa palavra é feita para se ler com calma e aos poucos, um espaço de cada vez, e que você pode me dizer o que achou desta edição respondendo ao e-mail ou deixando um comentário direto no Substack.
🤳🏾 Feed atualizado
| Notícias, links e ideias recentes que estiveram em alta no último mês
No feed dessa edição, trago três acontecimentos que marcaram a cena educacional brasileira em graus diferentes. O primeiro, infelizmente, não poderia ser outro além do atentado em uma escola estadual de São Paulo que vitimou fatalmente a Professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos.
A tragédia é, naturalmente, um gatilho pesado, a princípio, para todos que constituem alguma comunidade escolar no país, especialmente professores e estudantes, de modo que não pretendo (nem consigo) discorrer muito mais sobre o caso, mesmo porque houve uma extensa (e irresponsável, em vários pontos) cobertura midiática. Ficam, no entanto, algumas mensagens que ainda precisam de mais eco.
Primeiro, o luto pela Prof.ª Bete, que revela, em si mesmo, problemas estruturais do trabalho no Brasil. Já sendo aposentada, Elisabete lecionava Biologia, na rede estadual de ensino, tendo trocado de escola no começo de 2023. Embora as matérias jornalísticas destaquem o amor que a professora tinha pelo ensino, é impossível não pensar em vários outros colegas que, mesmo aposentados, continuam no mercado de trabalho por motivos de sobrevivência, uma vez que a aposentadoria não dá conta dos custos básicos.
Em seguida, a saúde mental das comunidades escolares (mas a geral também não anda nada bem, se considerarmos que ocupamos antepenúltimo lugar em ranking mundial sobre saúde mental). Esta newsletter não existe há muito tempo, mas, desde seu início, traz pelo menos uma notinha sobre o adoecimento emocional de estudantes e profissionais de educação, especialmente depois do período mais intenso da pandemia de Covid-19, que agravou um contexto de transformações promovido, especialmente, pelo advento das redes sociais algorítmicas e suas novas lógicas de comunicação. Redes, inclusive, que foram alvo, recentemente, de processo movido por educadores estadunidenses justamente pelos danos mentais causados em jovens. Atentados como esse, cada vez mais frequentes no Brasil, parecem se enfileirar numa esteira perigosa de violência escolar, que não parece estar recebendo a atenção de que precisa, mesmo com o Novo Ensino Médio e a inclusão de habilidades socioemocionais no currículo.
E por falar em Novo Ensino Médio, o NEM está em segundo lugar no feed desta edição, principalmente por conta dos protestos que ocorreram em vários lugares do país, no dia 15 de março, para pressionar o Ministério da Educação pela revogação do novo currículo. Este vídeo traz uma versão bem longa, mas muito proveitosa, dos vários argumentos que movimentos estudantis, sindicais e acadêmicos estão levantando contra a reforma que trouxe para o Ensino Médio disciplinas como Projeto de Vida e reduções de carga horária, no mínimo, esquisitas, como em componentes de ciências humanas.
Na contramão das reivindicações de revogação e retorno ao que existia até 2021 (o NEM passou a vigorar em 2022, mirando no Novo Enem, em 2024, que ainda não teve diretrizes divulgadas), o Ministério da Educação abriu consulta pública para discutir o novo formato, ação não só interpretada como pouco efetiva pelos movimentos de revogação, mas confirmada pelo próprio ministro Camilo Santana, que disse, em evento do Ceará, que acredita na necessidade de adaptação do modelo já aprovado, mas que descarta uma revogação completa.
Pra fechar o feed, uma certeza cada vez maior: educação midiática nunca foi tão importante! E isso fica sempre mais notório quando um novo caso de deep fake/fake news vem à tona. Há alguns dias, a imagem acima, do Papa Francisco usando um casaco estiloso, viralizou na internet, tornando-se, provavelmente, o primeiro caso de imagem viral gerada por Inteligência Artificial. A imagem foi feita pela IA Midjourney, que teve seu acesso limitado a usuários pagantes, depois do caso (sem mencionar as fotos falsas do ex-presidente estadunidense, Donald Trump, sendo preso).
Falando em Midjourney, antes dos virais papal e trumpista, vi uma matéria com 15 prompts, isto é, comandos úteis para usar na IA para a geração de “imagens incríveis”. Embora ao acesso à ferramenta esteja limitado, o texto é simples e pode ser útil para pensarmos na importância de trabalhar, em sala de aula, mais uma vez, a compreensão e a produção de comandos.
Ah, e quase me esqueci de que teve carta aberta internacional pedindo a interrupção temporária do desenvolvimento de IAs mais inteligentes que o ChatGPT-4.
🔗 Arrasta pra cima
| Espaço de aprofundamento em pautas que merecem um pouco mais de tempo
Este ano, pela primeira vez, celebramos o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, no dia 21 de março, que também é dia Dia Internacional contra a Discriminação Racial. Pensando nisso, achei importante trazer três links do portal Escrevendo o Futuro sobre a autora Conceição Evaristo, que fundamenta sua literatura na realidade das pessoas afro-brasileiras, e o trabalho de seus textos em sala de aula por meio de três atividades:
Plano de aula elaborado por Talita Zanatta: “A carta-cápsula na sala de aula: uma escrita sankofa”;
Plano de aula elaborado por Elaine Valério de Azevedo, Marilane Gondim Leite e Karla Rossana: “Nossas vivências e as escrevivências de Conceição Evaristo”;
Artigo de opinião “Literatura, afeto e comprometimento social: a importância da obra de Conceição Evaristo na educação” + atividade da árvore genealógica” (trecho abaixo);
(…) permitir que os(as) estudantes tenham acesso às obras de Evaristo pode ser uma prática que congrega dois aspectos caros: o incentivo à leitura literária, prevista pelo currículo escolar e enfatizada pela BNCC, e a necessária discussão sobre o passado e os rumos de nossa sociedade. Assim, além da importante abordagem de textos de uma mulher negra apresentando, denunciando e celebrando, através da linguagem literária, as experiências de sua comunidade, o estudo de tais obras possibilita que tragamos questões sociais à centralidade das discussões em aula, porém elas não nos chegam sem propósito, mas ocasionadas pelo trato artístico de experiências que, por tanto tempo na tradição literária do nosso país, foram encaradas de forma redutora.
Desde 2003, o ensino de História e Cultural Afro-Brasileira é obrigatório em estabelecimentos de educação básica, oficiais e particulares. No entanto, 20 anos ainda não foram o bastante para que a lei seja visível e efetivamente cumprida e nem precisamos ir muito longe para perceber isso. A Folha de S.Paulo pautou essa discussão em um edição recente da newsletter Folha na Sala;
A formação de professores tem piorado? É o que parece atestar uma análise divulgada no fim de março pelo Ministério da Educação. Segundo os dados apresentados, numa escala de 0 a 100 (em que 0 é bem ruim e 100, excelente), estudantes de todos os 17 cursos de licenciatura avaliados tiveram desempenho abaixo de 50 (Letras - português, por exemplo, pontuou 42,6). O cenário se complica ainda mais quando somamos a isso o dado de que mais de 60% dos estudantes avaliados indicaram interesse na docência como atividade profissional principal depois da formação;
Recentemente, além das imagens virais geradas por IAs, tivemos inscrições para mais uma turma de multiplicadores do Educamídia, “programa do Instituto Palavra Aberta com apoio do Google.org criado para capacitar professores e organizações de ensino, e engajar a sociedade no processo de educação midiática dos jovens”. Como de costume, a divulgação das inscrições levantou dúvidas sobre o que seria, afinal, essa tal de educação midiática. Pensando nisso, eu trouxe um compilado de links que pode ajudar você a se aprofundar no assunto, começando pela página de perguntas frequentes do Educamídia:
📂 Isso dá aula!
| Pontos que podem complementar seu plano de aula ou até pautar dinâmicas de debate
Se você achar que tudo o que já rolou até aqui não é o bastante para pensar em bons disparadores de aula, vou encerrar com o seguinte: como sua turma reagiria a uma proposta de debate sobre a separação entre artistas e suas obras de arte? Ou melhor! Como eles reagiriam a uma discussão sobre a “correção ética” de obras clássicas, a fim de “adaptá-las” a uma postura mais politicamente correta?
Os casos são muitos, desde J.K. Rowling, autora da saga Harry Potter, até Woody Allen, famoso cineasta. Ela, autora de discursos transfóbicos; ele, envolvido em acusações de abuso sexual. Nesses dois casos, no entanto, a discussão existe muito mais pela biografia dos artistas do que necessariamente pelas suas obras (apesar de a história de Potter ter sérios problemas na representação de pessoas judias), o que é diferente de alguns livros de Agatha Christie e Roald Dahl, que estão sendo reeditados, com a retirada ou reelaboração de trechos para que deixem de existir ofensas antissemitas e racistas.
Não deixa de me contar o que achou da ideia!
Câmbio, desligo!