#4 | palavra puxa inquietação
"São 3 da manhã de mais uma segunda-feira e minha mente não para"
Alô, pensante! Dawton aqui.
Com a reestruturação de nossa newsletter, as edições de número par passarão a ser dedicadas a crônicas e reflexões motivadas pelos temas apresentados na edição anterior, de número ímpar, formando, dessa forma, o par contexto e texto. Com outra novidade: além de ler a crônica da edição, você poderá também ouvi-la, no player acima.
Para conferir a edição que dá contexto a esta:
Alguns anos atrás, publiquei uma lista de 10 coisas que eu estava aprendendo com a vida adulta. Acabou se tornando um dos textos mais lidos da minha trajetória na internet e meio que é fácil de entender os motivos. Apesar de ter sido escrito sinceramente, o texto segue alguns gatilhos de marketing digital que aprendi à época e para os quais eu ainda tinha alguma paciência. O formato de lista, o uso pouco moderado de gifs, as referências à cultura pop e à nostalgia millenial, tudo batido num editor de textos e publicados no Medium, onde um dia eu gostei de escrever.
Tudo naquele texto foi bem pensado, do gerúndio do título à ordem dos itens listados. Vários anos depois, são 3 da manhã de mais uma segunda-feira e minha mente não para. Se eu fosse reescrever aquela lista, perceber que as vésperas de segunda seriam gatilhos de ansiedade certamente estaria no top 3, no mínimo. Já tentei de quase tudo pra conseguir dormir, mas nem o peso da ideia de que tenho 12 horas de trabalho pela frente faz minha mente entender que desacelerar seria a escolha mais sensata.
O problema talvez seja o Zeitgeist, conceito alemão para espírito de nosso tempo, isto é, conjunto de valores sociais e culturais que compartilhamos em dada época e que molda nosso jeito de estar no mundo. Antes de começar a escrever este texto, eu assisti a uma lista de cinco vídeos do Youtube inevitavelmente acelerados para que seus tempos de duração fossem abreviados o quanto possível. O mesmo fiz com um áudio de dois minutos enviado em algum grupo aleatório do WhatsApp. E, agora mesmo, enquanto escrevo, encaro 16 abas do navegador abertas, sabendo que devem existir outras 40 pré-carregadas em outros navegadores que uso. É como se tudo conspirasse para que nossa mente não parasse antes de um surto resultante da tentativa de organizar o turbilhão de informações que chegam a todo momento ou da própria desistência de lidar com tudo isso. Não há escapatória ou, de novo talvez, essa sensação seja ainda parte da própria ansiedade.
Ou, mais uma vez talvez, isso nada tenha a ver com o espírito de nosso tempo, mas, sim, com meu próprio espírito, que não encontra quietude à sombra da necessidade mal resolvida de existir on-line sob parâmetros cada vez mais alheios, cada vez mais pretensiosos, cada vez mais insalubres, cada vez mais na contramão das várias e várias tentativas de ser consistente. O que, paradoxal e acidentalmente, pode ser um jeito muito irônico de consistência.
Mas, quando encaro o mundo antes de ele me encarar de volta e me deparo, ainda que rapidamente, com o que temos discutido recentemente, consigo argumentos para ser mais gentil comigo mesmo e compartilhar com o espírito de nosso tempo boa parte da culpa de tanta inquietação. Ao passo que, no século passado, fomos a espécie que produziu as armas de guerra mais letais, também fomos a espécie que mais morreu pelo efeito de tais armas. O paradoxo se repete em diversos outros momentos de nossa história e como eu poderia dizer que é diferente agora, quando criamos inteligências artificiais com a competência de “gerar” conteúdo criativo porque nos falta tempo para tanto, sem pensar que também nos faltará tempo para consumir todo o conteúdo que será gerado artificialmente. O paradoxo, assim, vai se repetir logo mais, quando novos robôs forem criados para consumir aquilo que não temos tempo de consumir, até o dia em que minha IA convidará a sua IA para irem juntas ao museu, nos representando, enquanto fechamos nossas 56 abas abertas em casa.