#2 | palavra puxa algoritmo
"A tragédia pós-moderna é também semântica, afinal."
🪢 1, 2, 3, puxe!
Alô, pensante! Dawton aqui. Chegamos à segunda edição de nossa newsletter. Esta, provavelmente, será a última de 2022, então já aproveito para desejar um 2023 repleto de conquistas e paz para você! Se você chegou agora, sinta-se em casa! Arme uma rede, puxe uma cadeira, a geladeira é nossa, não faça cerimônias. Na primeira edição, fiz um tour e expliquei um pouco de cada cantinho daqui. E tem quartinho novo: o puxa conversa.
Nesta edição, temos duas notícias que mostram como ainda precisamos manter atenção nos efeitos da pandemia de Covid-19 na educação; três links que poderão inspirar seu planejamento pedagógico; duas novidades no “Dawtonverso”; três sugestões de repertório que podem pautar as primeiras discussões do ano que vem, em sala de aula; e uma crônica sobre uma das coisas que mais me perturbou em 2022: os algoritmos.
Lembre-se de que a palavra puxa palavra é feita para se ler com calma e aos poucos, um espaço de cada vez, e que você pode me dizer o que achou desta edição respondendo ao e-mail ou deixando um comentário direto no Substack.
📰 puxa notícias
Apesar de termos superado (ao menos por ora) os momentos mais tensos da pandemia, é notório que vários setores sociais ainda sofrem com seus efeitos. A educação, por exemplo, deve levar anos para conseguir compensar os danos de aprendizagem gerados durante o ensino remoto/híbrido e dados recentes da Unicef reforçam isso, com a constatação de que ainda há muitas crianças fora da escola, sem falar dos profissionais de educação que, com a volta das aulas presenciais, não têm se sentido bem no ambiente escolar;
E a preocupação nem está voltada apenas a quem está fora da escola, mas também a quem está dentro dela! Os índices de aprendizagem, especialmente aqueles obtidos por meio do SAEB, mostram queda do aprendizado de matemática e de língua portuguesa, tendência que deve permanecer por alguns anos. Os índices também não animam quando pensamos na saúde mental dos estudantes, já que, segundo o Datafolha, 34% deles não conseguem controlar suas emoções, fora os dados que revelam que os alunos se sentiram, em 2022, sobrecarregados e deprimidos;
🔗 puxa links
Novembro é o mês em que mais falamos sobre educação antirracista, principalmente por conta do Dia da Consciência Negra, mas a verdade é que precisamos manter essa discussão em pauta ao longo de todo o ano, assim como várias outras. Pensando nisso, recomendo muito o e-book produzido pelo Educamídia sobre educação antirracista, para leitura constante e não só em novembro;
Assim como o ensino de outros componentes curriculares, o ensino de literatura também deve ser contextualizado e associado ao cotidiano mais imediato dos aprendentes, não acha? Essa iniciativa, em São Paulo, que leva coletivos culturais e artistas para a escola, a fim de promover contato dos estudantes com a arte e estimulá-los a produzirem seus próprios textos, foi um dos links mais legais que vi desde a última edição da newsletter;
Na mesma energia, outro dos links mais legais que vi foi sobre a primeira visita de crianças que estudam em escola periférica de São Paulo ao Museu de Arte de São Paulo, o Masp. E isso me dá pretexto para lembrar que publiquei um vídeos mostrando não só como foi a minha primeira visita ao Masp, mas também como você pode levar o museu para a sua sala de aula, por meio de realidade aumentada.
💬 puxa conversa
Tem novidade no “Dawtonverso”! A primeira é uma integração entre esta modesta newsletter e meu canal do Youtube. Comecei um “novo quadro” lá chamado “puxa conversa”, em que vou realizar lives dominicais para compartilhar ideias e métodos de ensino. O primeiro encontro aconteceu antes das grandes turbulências “eleições” e “copa do mundo de futebol” e foi sobre o ensino de implícitos e de crase por meio do conto “O pecado”, de Lima Barreto. As lives devem voltar em janeiro, depois do recesso;
A segunda novidade é que o Substack lançou uma nova ferramenta de comunicação (entre VÁRIAS que estão surgindo), o Chat. A ideia é simples: por meio do aplicativo do Substack, disponível para Android e iOS, eu posso criar tópicos que podem ser comentados e reagidos por você, aproximando mais a gente sem as distrações algorítmicas das (outras) redes sociais. Aproveitei o recurso para começar o #puxaofio, espaço para compartilharmos leituras legais que temos feito entre uma edição e outra da palavra puxa palavra;
📂 puxa repertórios
Talvez não percebamos o tamanho da revolução tecnológica que estamos vivendo justamente por a estarmos vivendo. Falta distanciamento para tanto. Mas os anos 20 do século XXI talvez fiquem conhecidos como a década da inteligência artificial (IA) na produção de conteúdos. Já existem IAs que produzem vídeos autonomamente, imagens e até obras de arte. O passo mais recente tem sido na direção da elaboração de textos escritos que tornarão a tarefa de distinção entre eles e os que forem realmente produzidos por seres humanos cada vez mais difícil. Na educação, para além de uma discussão ética, o cenário exige uma discussão linguística! Como serão nossas aulas de redação do futuro?;
Estamos vivendo mais! Segundo o IBGE, em dois anos, nossa expectativa de vida aumentou quase três meses. Os números animam, por um lado, mas, por outro, tornam discussões sobre o envelhecimento ainda mais importantes. Se não somos, estruturalmente, uma sociedade preparada para lidar com uma maioria populacional idosa, esse despreparo parece ser ainda maior psicologicamente, para as gerações atuais de jovens que terão de lidar com idosos mais longevos. Em sala de aula, discutir futuros cenários e ideias de políticas públicas pode ser mais um passo no longo processo de lidar com os efeitos do aumento da expectativa de vida do brasileiro;
A meritocracia é um dos temas de discussão mais recorrentes em debates e discussões, especialmente no contexto de escolas particulares. Tal temática costuma ser associada a outras mais polêmicas, como a existência de ações afirmativas em seleções públicas ou o agravamento da desigualdade social. Pesquisas, no entanto, mostram que “querer não é poder”, principalmente se você nasceu entre os 20% mais pobres do Brasil. Aqui, os filhos dessa parcela da população têm apenas 2,5% de mobilidade social, isto é, de sair da camada mais carente. Pode ser uma discussão espinhosa de se levar para algumas salas de aula, especialmente por conta do contexto político de polarização que temos vivido, mas talvez seja justamente por isso que esse debate é tão necessário.
📝 puxa tempo
Tenho percebido, há algum tempo, que voltar ao Instagram depois de um intervalo sem “produzir conteúdo” tem ficado mais e mais difícil. Sou tomado por pensamentos pessimistas inspirados pelos números que tangem os humores de qualquer pessoa que se dedique à tal produção de conteúdo nas redes sociais hoje. São métricas, infeliz e propositalmente, inescapáveis e que vão muito mais fundo do que número de curtidas e comentários. A retomada do vídeo como mídia privilegiada pelas mídias traz números ainda mais aflitivos, como os de retenção, os de “músicas em alta”, os de “trends da semana”.
Apesar de eu ter demorado pra admitir que estou há muito tempo na internet como “produtor de conteúdo”, especialmente por não me achar consistente, o fato é que 13 anos são, sim, uma longa trajetória. Tempo o bastante para observar, ora assustado ora conformado, as mudanças que nos trouxeram até aqui. Em janeiro de 2009, eu lançava um blog no Blogger, construído durante as férias do fim de 2008. O blog tinha como objetivo fazer coberturas jornalísticas da escola em que estudei. Aos poucos, essas coberturas chegaram ao Orkut, ao Youtube, ao Facebook. Vi de perto e com entusiasmo as mudanças, as migrações, o surgimento e o fortalecimento da economia da atenção.
Em empregos sucateados, o afeto é um bônus salarial. Já reparou? Acontece muito na educação. Professor, via de regra, é desvalorizado financeiramente, o que os torna particularmente carentes de carinho. Alguma coisa precisa nos manter convencidos de que a realidade vale a pena. Na internet e na economia da atenção, em que essa moeda tem tantos números e tantas formas de ser medida, é semelhante. O conteúdo produzido alimenta uma rede que ganha com anúncios oferecidos a quem está conectado consumindo justamente o conteúdo produzido. Nada ou muito pouco do que é lucrado pela rede é dividido com quem produz o conteúdo, mas se ele “hita”, se ele sai na “for you”, no “explorar”, se tem mais comentários do que o padrão, uau! As horas de produção, magicamente, ganham sentido, valem a pena.
Daí ser difícil voltar ao Instagram depois de um hiato, depois de tempo suficiente para perceber como absurda é essa lógica, como é cansativa, como é nonsense. A internet dos anos 2020 e sua hegemonia algorítmica encontram as naturais mudanças de pensamento coletivo que acontecem entre gerações e direcionam a ressignificação das formas de se relacionar, de se engajar politicamente, de se organizar socialmente, de sermos consistentes, frequentes. A tragédia pós-moderna é também semântica, afinal. Nesse universo (dis)tópico, naturalizamos questões nada existenciais, como “do que o algoritmo gosta?”, “o que o algoritmo não permite?”, “a quem o algoritmo entrega?”, “como enganar o algoritmo?”.
“Como fugir do algoritmo?”